domingo, 23 de julho de 2023

SALVATERRA DE MAGOS: QUATRO DÉCADAS. QUATRO PALAVRAS.

Por: Catarina Bexiga

Definir os 40 anos de Alternativa de António Ribeiro Telles em quatro palavras é um risco. Mas vou corrê-lo. Ao longo destas quatro décadas, António tem-nos feito perceber o que é o Toureio a Cavalo; dependendo de cada toiro e de cada investida… o Toureio a Cavalo na sua complexidade bem como na sua simplicidade.

PORTUGALIDADE. Porque António é o mais português de todos. Que preserva valores, defende regras e procura pôr em prática um conceito (sobretudo, o lidar; e o conceito do ferro de frente e ao estribo) que deu ao nosso país um elevado estatuto além-fronteiras. António é (dos poucos) que nos faz lembrar que somos a Pátria do Toureio a Cavalo!

CLASSICISMO. Para o explicar gosto sempre de recorrer àquela frase de Rafael Gómez “El Gallo”, quando um dos seus bandarilheiros lhe perguntou: “Maestro, qué es lo clásico?” Respondeu o diestro: “Lo clásico es aquello que no se puede hacer mejor!”

TORERÍA. É algo que se tem ou não se tem. É ter uma forma especial de exteriorizar o que se leva dentro. É pensar, falar, sentir e actuar, sempre em Toureiro!

MAESTRIA. Ao longo destes 40 anos, pelo nível de actuações com que nos tem brindado, só podemos estar a falar de uma Figura de Época, um Maestro de Maestros.

A noite de 21 de Julho teve as suas exigências. Os toiros de Vale Sorraia saíram superiormente apresentados; no entanto, os lidados na primeira parte contrastaram com os da segunda. O primeiro mostrou-se indiferente e sem fijeza ; o segundo veio a menos e raspou muito; e o terceiro revelou-se distraído e também sem fijeza. Depois do intervalo, a matéria-prima foi outra. Para melhor. Mesmo parco de forças, o sexto da função investiu com motor e ritmo, transmitindo muito.  

António Ribeiro Telles foi ele próprio em Salvaterra de Magos, a terra onde se estreou nas arenas. Com saber lidou superiormente o primeiro, um mansarrão, que pedia contas com o “Lorde” de curtos; e com mais sabor esteve frente ao segundo, montado no “Alcochete”, com um toureio continuo e intencional, com destaque para o segundo e terceiro curto.

Luís Rouxinol e Miguel Moura superaram com disposição as complicações apresentadas pelos seus primeiros toiros. Posteriormente, o quinto e sexto toiro permitiu-lhes dar outra dimensão ao seu toureio. Rouxinol deu importância aos compridos com a “Libra”; e esteve sobrado e variado com o “Douro”. Miguel Moura surpreendeu com uma actuação diferente, montado no “Herói”; aproveitando de sobremaneira a transmissão do valesorraia, improvisando as sortes e chegando muito às bancadas. Uma actuação que marca a sua temporada!

Pelos Amadores de Santarém foram caras João Faro, à primeira tentativa; Vasco Salazar, autor de uma grande pega também à primeira; e Pedro Valério à segunda. Pelos Amadores do Ribatejo concretizaram André Laranjinha, valentíssimo, aguentando vários derrotes, à primeira; e Ricardo Regaleira, também à primeira. O sexto toiro da noite não foi pegado por se lesionar.

Aquelas palavras de Mestre David Ribeiro Telles dizem tudo: “Tenho visto o meu filho António tourear toiros que, digo-o sinceramente, era assim que eu gostaria de ter toureado!”  Quatro décadas se passaram, mas a essência permanece intacta!

FOTO: PEDRO BATALHA

domingo, 16 de julho de 2023

CAMPO PEQUENO: O MESMO NOME PRÓPRIO, O MESMO APELIDO, O MESMO SONHO!

Por: Catarina Bexiga
40 anos separam as datas de Alternativa de António Ribeiro Telles e António Ribeiro Telles filho. O mesmo nome próprio, o mesmo apelido, o mesmo sonho… e a mesma casaca – azul de veludo, bordada a prata – vestida pelo patriarca da Torrinha, Mestre David Ribeiro Telles, no dia do seu douctoramento, e posteriormente pelos seus filhos e netos aquando das suas Alternativas.

21 de Julho de 1983. Data em que Mestre David deu a Alternativa ao seu filho António. Passam agora 40 anos. E em que se tornou António Ribeiro Telles? Expoente máximo do Toureio a Cavalo à Portuguesa. Um TOUREIRO que, nos anos 80 e 90, alcançou o auge da sua carreira com o “Tupi-Lupi”, o “Gabarito” ou o “Sal e Pimenta”; que também passou pela dureza do “deserto” quando esses mesmo cavalos desapareceram; mas que tem sido fiel a um conceito e ganhou o respeito dos Aficionados. A sua actuação, na passada Sexta-feira, no Campo Pequeno exprimiu o que é nosso, o que é português, o que é o António Ribeiro Telles. Não foi uma actuação redonda, mas toda a sua mensagem estava lá para quem a quis entender e desfrutar. Montado no “Hibisco” o primeiro comprido foi em “sorte à tira”, perfeita, reduzindo a velocidade na abordagem e oferendo a espádua do cavalo, para cobrar de forma cingida, no alto da cruz. Com o segundo, António teve a intenção de recrear a “sorte da Morte”, da autoria de António Luís Lopes, mas o toiro arrancou pronto, a “pirueta” foi executada lentamente, e no momento da reunião o adversário ainda alcançou o cavalo. Foi pena, mas houve mérito. Para os curtos, António foi buscar o “Alcochete”. O toiro começou-se a reservar e a procurar o refúgio dos terrenos de dentro. A lide tornou-se exigente, porque exigia disponibilidade, sabedoria e maturidade. E na arena do Campo Pequeno não estava um toureiro qualquer, estava um TOUREIRO chamado António Ribeiro Telles. Lidar um toiro é aquilo. Ser grande é aquilo. Deixar uma mensagem importante é aquilo. A “equação” teve terrenos, distâncias e tempos… tudo feito com uma classe e uma torería singular. Os cinco curtos que cravou no toiro reavivou-nos a memória e o entusiasmo. No último também sofreu um toque, mas ficaram a vontade e a superação. Nos dias de hoje já raramente se vê tourear assim!

14 de Julho de 2023. Data em que António deu a Alternativa ao seu filho António de Jesus com um Campo Pequeno esgotadíssimo. O toiro levava o N.º 70 e chamava-se “Montura”, vindo a menos com o decorrer da actuação. Com o “Embuçado”, recebeu com poderio o toiro “à porta gaiola”, sendo o terceiro comprido o melhor do conjunto. António de Jesus é um cavaleiro sobrado de capacidades, com uma visão lidadora herdada do seu pai, cujo tempo ajudará a consolidar melhor as suas intenções. Com o “Sherpa” imprimiu determinação em todos os momentos e uma vontade enorme em ultrapassar os desafios. Afinal, este foi o primeiro dia do resto da sua vida!

Do cartel fizeram ainda parte os toureiros da família. E de todos vimos coisas importantes. Manuel Telles Bastos (com um toiro manso parado) apontou três tiras correctas e com o “Ipanema” preparou superiormente dois curtos, destacando-se a consumação do quarto. João Ribeiro Telles (com um exemplar que acabou em tábuas) esteve convincente com o “Gaiato” e impactou com um duplo quiebro com o “Ilusionista. E Tristão Telles Queiroz (com um sobrero, que teve mobilidade e duração) alimentou a expectativa que nele se deposita. Depois de um extraordinário segundo comprido, montado no “Moita” terminou a actuação com um grande curto. O último toiro (com falta de entrega) foi lidado “à moda da Torrinha”. Manuel TB recebeu-o, João e Tristão cravaram os primeiros curtos e António pai e filho remataram a actuação. Apoteose total!

O curro com o ferro de David Ribeiro Telles saiu rematadíssimo, com três toiros que mereciam ser aplaudidos pelo seu trapio, o primeiro, segundo e sexto. O sobrero lidado em quinto lugar foi o que ofereceu melhor jogo.

Para os homens da jaqueta de ramagens a noite não foi fácil. Pelos Amadores de Santarém pegaram Francisco Graciosa à segunda, Joaquim Grave também à segunda e de cernelha João Manoel e Miguel Tavares. Pelo grupo de Vila Franca concretizaram Vasco Pereira à primeira superiormente ajudado por Diogo Duarte, e dois nomes que começam a dar nas vistas dentro do grupo: Rafael Plácido à terceira e Guilherme Dotti à primeira também superiormente ajudado por Rodrigo Dotti.

Noite marcante para a Dinastia Ribeiro Telles e para a história do Toureio a Cavalo!

FOTO: PEDRO BATALHA

terça-feira, 4 de julho de 2023

CARTA ABERTA AO MAESTRO JOSÉ JÚLIO

Maestro José Júlio,

Sei que levou Vila Franca no seu coração. Mas também tenho a certeza que os vilafranquenses continuam a tê-lo dentro do peito. Como o poderíamos esquecer, Maestro? Pela sua trajectória, pela paixão que despertou entre nós e por tudo o que nos fez desfrutar. Como o poderíamos esquecer? A “sua” Palha Blanco (onde o Maestro toureou 87 tardes e noites) esgotou no passado Domingo de Colete Encarnado. Ambiente contagiante, com um público disposto a sentir o toureio. Acredito que à memória de muitos aficionados veio o seu nome. Aliás, era inevitável!  Era a tarde de apresentação de um toureiro que também nasceu em Vila Franca e que tem nas veias o seu sangue. O Tomás Bastos não o esconde. E quero acreditar que a faena de muleta brindada ao céu foi dirigida a si. O Tomás Bastos tem “hechuras” toreras, tem umas capacidades superiores para a idade e um querer onde cabem “1000” quereres. Arrisco mesmo a dizer que tem o dom dos predestinados. Os lances à Verónica ganhando terreno com um selo próprio; os dois grandes pares de bandarilhas que cravou “asomándose al balcón”; e a faena de argumentos com um novilho de Calejo Pires que ao terceiro muletazo protestava, mas onde não foi indiferente a forma como baixou a mão e quebrou a cintura, rematando as series com “pelisco”… fez com que o coração dos Vilafranquense voltasse a bater mais forte.

Mas era Domingo de Colete Encarnado, sempre um dia diferente… com vários brindes aos Campinos! Esses homens que vivem e sentem o toiro bravo como poucos.

Dos toiros de Alves Inácio (dispares de apresentação, sem trapio para a Palha Blanco, sobretudo, o segundo) destacou-se o último. O primeiro foi distraído e tardo no momento do ferro; o segundo também distraído, trotón, sem se empregar; o terceiro reservado; e o quarto, embora não estando sobrado de força, teve mobilidade.  O cavaleiro Manuel Telles Bastos substituiu João Salgueiro que apresentou atestado médico no próprio dia. Telles Bastos teve uma passagem demasiado modesta pela Palha Blanco. Por outro lado, a presença de João Telles Jr. por Vila Franca resume-se ao momento em que montou o “Ilusionista” no seu segundo, com o habitual tremendismo, mas com relevo para o primeiro curto.

Pelos Amadores de Vila Franca pegaram Vasco Pereira à primeira tentativa, Lucas Gonçalves à terceira, Guilherme Dotti superiormente à primeira e também uma grande pega de Rafael Plácido à primeira.

A comparência de Morante de la Puebla na Palha Blanco dá-lhe um ambiente único. Todavia, os dois toiros de Garcia Jiménez resenhados para o diestro espanhol deveriam ter sido repensados. Diferentes, mas ambos com mau tipo. O primeiro ainda investiu, mas sem classe; e o segundo não transmitiu. José António procurou dar o que os aficionados esperam de si. Com ternura e carícia (muito próprio do seu toureio) explorou o que o seu primeiro tinha para oferecer. E ainda sofreu uma feia voltareta de capote, que rapidamente superou. Com o segundo houve apenas vontade de agradar.  

Maestro, a história do Tomás Bastos começou no passado Domingo de Colete Encarnado. Porque foi uma tarde importante para ele e para nós, aficionados. Afinal, todos voltámos a acreditar. Como aconteceu naqueles anos 50 e 60, com o Maestro no seu cume. Afinal, todos voltámos a sonhar!

FOTO: PEDRO BATALHA

 

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